Quero ganhar um anjo e pô-lo no meu peito: troféu de minha bondade.

No vácuo inconsciente da vida piso flores, esmago insetos, aniquilo homens.

Linha do horizonte da felicidade estrangulastes meu anjo...

José Borges
Belém, 03 de janeiro de 1960

O desenhador sem alarde [Zeco]

José Borges Correia. Português (Zeco), nascido em Lisboa, a 23 de maio de 1915, filho de Aníbal Borges da Silva Correia e Maria das Dores Coutinho Correia.

Exposição de Borges, Raposo e Villas Henriques na sucursal de O Século, no Rossio. 23 de maio de 1933 com 16 caricaturas.
Jornal “A Voz”
Estes três rapazes não aprenderam nada oficialmente. Perceberam que tinham habilidade para as artes plásticas e deram-se a desenhar e a pintar sem pedir a ninguém que os puzesse em contacto com a popularidade.
Pegaram dos seus trabalhos e penduraram-nos nas paredes da Sucursal de “O Século”, no Rossio, e quem quiser que os veja e diga de sua justiça.
Pelo que nos toca dizemos já – os rapazes cometeram uma audácia simpática e justificada.
Borges é o humorista e, valha a verdade talvez o de mais garra. Apresenta dezesseis caricaturas de linhas ferinas e composição graciosa. “Ferro e Oliveira Salazar”, o “Dr.Ramada Curto”, “Dr. Julio Dantas”, “Erico Braga e Beatriz Costa”, “Comandante Quirino” e “Carlos Reis” documentam com nobreza o seu valor.......
...Em fim são três despretensiosos artistas cuja obra vale a pena ver.

Colaborador do “GLÁDIO-Semanário de Literatura e Crítica”.
Caricatura de Dr. Vitorino Nemésio e Raquel Meller

Exposição de Zéco e Villas Henrique no Século no Rossio de 18 a 30 de junho de 1934 com 23 caricaturas.
Jornal “Diário de Notícias”
Zéco apresenta, nesta exposição, 23 caricaturas. Uma certa influência do traço de Teixeira Cabral, mas, simultaneamente, expressão de personalidade própria, e apta a mais seguros comentimentos, nesse gênero de trabalhos. Pode Zéco, sem favor, ser classificado como caricaturista de merecimento, e desde já muito aproveitável, pela boa visão, ligeireza de pena e graça com que aponta e exagera os traços mais característicos das suas vitimas. As caricaturas do “Dr. Araujo Lima”, “Alfredo Pinto”, “Sacavem” e “Dr Bissaia Barreto”, por exemplo, são produtos de excelente observação e de execução original.

Soneto feito por Antônio Silva, na tarde de 25 de julho de 1934, no Café Comercial.

Zumba, zumba no caneco!
Soneto

Ao Borges

Não sei esconder a minha admiração
Perante um tal artista do desenho
O seu trabalho é belo, tem imaginação
O Zéco triunfará mesmo sem empenho...

Lastimo que, com arte que não tenho
Eu não possa externar com vibração
O artista que aqui canta em torno empenho
O amigo dedicado do coração

Não deixo de dizer-te, todavia
Que tu hás de triunfar em breve dia
E com justiça querido amigo Zéco

E a massa então virá em tal fartura
Que os amigos todos nessa altura...
........................................................
Zumba, zumba, zumba no caneco!

Exposição Zéco Caricaturas e Silhuetas na Casa das Beiras, Rua Ivens, 44-1, de 22 de abril a 6 de maio de 1935 com 5 silhuetas cubistas, 13 caricaturas e 13 caricaturas do livro “Gente de Teatro” comentado em verso por Carlos Costa e Rodrigo de Mello.

“A Voz”
Zéco está expondo na Casa da Beira. É a sua terceira exposição. Este rapaz não é, em boa verdade, uma pessoa qualquer. Tem dedo,o que vale dizer: que tem lápis encaminhado por talento artístico.
Modernista “a outrance”, dentro de si mesmo há alguma coisa, ao contrário de muitos acrobatas de desenho e broxantes de cores, em que não há nada consagrados em família e nas vizinhanças.
Por isso mesmo trabalha isolado na sua resignação artística, a espera da justiça que sempre surge...
Quando menos, as suas silhuetas cubistas bastariam para nos dizer que estamos em frente de um jovem caricaturista de grandes e prometedoras faculdades.
Bom trabalho expõe o simpático artista neste gênero: “General Carmona”, “Antônio Ferro”, Mestre “Carlos Reis”, este de execução primorosa, “Nascimento Fernandes” e “Campos Monteiro”.
Esta especialidade cubista está pouco divulgada entre nós. Os fundos negros realizam inteiramente a silhueta com as enormes dificuldades dos efeitos de luz e por modo a adivinhar-se o que, de fato, não está expresso por cores ou linhas. É o que se pode, agora com propriedade, chamar a abstração de dentro pra fora, mas abstração que, paradoxalmente, esta á vista e exprime a idéia do artista e é entendida pelo contemplante.
Zéco tem ainda uma larga coleção de caricaturas impressionistas, mais felizes umas do que outras, tal qual como diria Mousieur de La Palisse, mas em que há um forte cunho de individualidade.
Ainda vimos e com prazer, alguns trabalhos de ilustração, bem realizados e já mais dentro das formulas clássicas do desenho, sem deixarem de ter o espírito caricatural que domina sempre a intenção do desenhador.
Em resumo: vale a pena ver na Casa da Beira a exposição de Zéco.
Martins dos Santos

Apresentado pelo distinto escritor Albino Forjaz de Sampaio, Zéco foi aprovado sócio efetivo do GRUPO DOS HUMORISTAS PORTUGUESES em dezembro de 1937.
Retrato de Guerra Junqueiro. Trabalho executado em 1942 para ilustrar uma conferência do Dr. Luiz de Oliveira Guimarães. Atualmente encontra-se no Museu Guerra Junqueiro levado por sua filha.

No Clube dos 100 À Hora, Zéco expõe 47 caricaturas (caricaturas pessoais, caricaturas impessoais e caricaturas a cores, sobre desportos) de 24 de janeiro a 5 de fevereiro de 1938

“República”
Instantâneo
Na rua das Chagas, 35 – mesmo ali a dois passos do Chiado – abriu hoje uma exposição de caricaturas. Zéco, chama-se o caricaturista. Tem vinte e dois anos, um ar tímido de colegial e um sorriso ingênuo que não ficaria mal a uma menina das Avenidas Novas. A exposição, constituída quase exclusivamente por caricaturas pessoais, merece que lhe tiremos o chapéu. Semelhança, traço firme, sentido de oportunidade e mesmo, num ou noutro caricaturado, a nota psicológica. Lá vemos ao lado de algumas célebres figuras internacionais, como Hitler, Mussolini e Unamuno – este esplendido de linhas e de expressão, quase um retrato – muitas outras figuras não menos célebres embora menos internacionais: Lino Ferreira e o seu charuto; Gustavo de Matos Sequeira e o seu molíssimo chapéu preto, estilo pastel de nata; o olhar supersticioso de Pereira Coelho; as pestanas tira-olhos de Guilherme Pereira de Carvalho; os sorrisos de Palmira Bastos e de Ester Leão – e mais, muito mais, vivas, flagrantes, cheias de imprevisto e de pitoresco, de graça e de intenção.
A um canto da galeria, Zéco, sempre com uma pasta de cartões debaixo do braço e a fantasia de um sobretudo enfiado no corpo, faz-me as suas confidências:
- Faço caricaturas desde que nasci. Aos cinco anos foi a primeira exposição. Foi concorridíssima pela família. Todos riram muito, chamaram-me menino prodígio e compraram-me os bonecos a trôco de pasteis de nata... Mas a família só achou graça enquanto eu fui pequeno...
-É o costume.
- Depois não; tanto mais que por causa dos bonecos tive o prémio de algumas reprovações... O meu destino, porém, estava traçado. Tinha de ser. E, apesar de tudo, ambiciona num emprego, com ordenado certo, pouco que fazer e uma boa aposentação... É difícil viver de caricaturas, em Portugal, mais difícil ainda do que viver de cantigas...
- Porque, não caricatura mulheres?
- É perigosíssimo quando se não é positivamente um Hércules.
-As mulheres não batem em ninguém.
-Mas todas elas têm um noivo, um marido ou um amante com uma bengala á nossa disposição...Perante a bengala.
- Recolhe-se o lápis. É o que manda a mais elementar prudência.
Zéco não deixou ainda um momento de ir partindo, entre os dedos, paus de fósforos, a sua mania:
- Chego a gastar duas caixas por hora.. Se um dia arranjo um emprego certo, deixo de partir os fósforos e começo a partir os lápis...
A conversa dispersa-se. Na exposição entre gente, muita gente. Algumas figuras pitorescas passam, sorrindo, comentando. E a certa altura, tudo me parece já obra de Zéco, cada pessoa que passa é, afinal, uma caricatura que fica... Não resta duvida: há pais que são esplendidos caricaturistas...
Luis Oliveira Guimarães
24 de janeiro de 1938

“Diário de Noticias”
Artes plásticas
47 caricaturas de Zéco expostas no Clube dos 100 á Hora – Para a novidade esperançosa de Zéco, na demonstração dos seus méritos de cartunista, estava naturalmente indicado o ambiente elegante e moderno do Clube dos 100 á Hora, ao Loreto com entrada pela aristocrática rua das Chagas. A sua exposição fica lá, certa como luva em mão de igual medida.
Zeco progride. A sua visão apura-se e a sua técnica, ainda há dois-três anos indecisa e imperfeita, afirma-se. Nessas 47 caricaturas que ali trouxe já se mostra seguro, marcando bem os seus caricaturados e dando-nos de alguns deles interpretações muito originais. De entre as 34”caricaturas pessoais”, da primeira e maior lista do seu catálogo, muitas são dignas de nota alta – distinção e prémio. As melhores, contudo, são as de Guilherme Pereira de Carvalho, Matos Sequeira e Lino Ferreira. E ainda melhor – classificação de “accessit” – a de D. Miguel de Unamuno, essa, trabalho já de muito valor.
Muito bem apontados os seis tipos populares e graciosas, como ilustrações de “magazine”, as caricaturas a cores de tipos desportivos.
Outra citação, e merecida, ao “Fado” – obra também que se destaca entre as demais.
Zeco, na sua ascensão como caricaturista, vai a 100 á hora.
Augusto Pinto
25 de janeiro de 1938

Foi diretor da Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa, diretor do Círculo Artístico Mário Augusto, diretor do Grupo de Humoristas Portugueses, diretor do Grupo Cultural Rafael Bordalo Pinheiro, colaborador dos jornais “O Século”, “Diário de Notícias”, “República”, “Diário Popular”, “A Voz”, “Novidades”, “Século Ilustrado”, secretário de direção da empresa jornalística “Vida Ilustrada” e “Vida Mundial Ilustrada” em Lisboa, Portugal.

Chegou ao Brasil no dia 5 de abril de 1951. Veio a convite da Editora Globo, de Porto Alegre, através de sua representada Livros do Brasil, em Lisboa. Trabalhou sete anos, na Editora Globo, inicialmente como desenhista na Clarim, Empresa de Publicidade de propriedade da Globo. Tempo depois exerceu as funções de diretor de arte dessa grande empresa, diretamente da Revista do Globo e diretor do Curso ABC de desenho da França. Foi professor de publicidade e vitrinas no Instituto Técnico Oberg e na Escola Técnica Araújo Porto Alegre.
Trabalhou junto durante alguns anos com o escritor Érico Veríssimo. Ele era o consultor literário da Editora Globo e José Borges fazia o planejamento técnico das obras. Ilustrou o seu livro infantil “Gente e Bichos” com 230 desenhos a cores. A sua grande homenagem ao grande escritor ficou expressa num retrato a creiom que à ele foi oferecido.
Além das atividades de jornalista se dedicou com entusiasmo à decoração de stands e pintura de grandes painéis decorativos em exposições industriais e comemorativos. Como decorador dirigiu a montagem da Exposição Nacional do Trigo em Cachoeira do Sul, Exposição Nacional Hoteleira em Porto Alegre e executou muitos projetos de stands para Exposição da Uva, em Caxias do Sul.
Enfim, foi professor, jornalista, publicitário, artista plástico, caricaturista, com sua biografia publicada na Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
Seu casamento aconteceu a 8 de maio de 1954 com Helena Pacha, natural de Belém do Pará filha de imigrantes libaneses. O casamento aconteceu na residência dos pais da noiva na Avenida Nazaré em Belém e logo depois retornaram para Porto Alegre. No dia 24 de janeiro de 1955 embarcaram em um navio para Lisboa e retornaram ao Brasil no dia 18 de abril de 1955. José Borges ficou em Porto Alegre e sua esposa embarca em um avião para Belém onde dá a luz a Lúcia Helena Pacha Correia, sua primeira filha, em 21 de abril do mesmo ano. Neste período tiveram também Aníbal José Pacha Correia em 12 de julho de 1957. Radicou-se definitivamente em Belém no ano de 1958, depois de um breve retorno a Lisboa para apresentar sua família aos parentes portugueses. Em 19 de julho de 1964 nasceu seu ultimo filho Fernando Manuel Pacha Correia.
Ao chegar a Belém iniciou sua atividade no setor de publicidade. Inicialmente criou a E.T.P.-Estúdio Técnico de Publicidade de parceria com seu concunhado Dr. Pádua Costa e seu colega, Dr. Eudiracy Silva em 28 de agosto de 1958. Depois cada um seguiu o rumo de sua profissão e ele ficou com a espinhosa carga de Agência de um homem só que fazia tudo: redação, desenho, contato, cobrança, etc. Então passou a chamar-se Borges Publicidade com suas instalações na Rua João Diogo 516, em frente a Praça da Bandeira, onde permanece até hoje sobre o comando de sua filha Lúcia Helena Pacha Correia. Seus primeiros clientes foram: Fábrica de Cigarros Nacional, Martini Móveis, Tecidos Lua e Cidades das Sedas.
A Borges Publicidade surgiu da necessidade que o mercado exigia de implantação de uma Agência autêntica que dispusesse de todos os seus setores devidamente aparelhados para um atendimento eficiente, rápido, e de custos acessíveis. Assim saiu do precário estágio existente em Belém, de simples “bureaus” de propaganda, dependente do sul do país com implícita contribuição para o esvaziamento do Estado, para uma posição de auto-suficiência.
Construiu deste modo, uma empresa setorizada, com seus departamentos bem divididos, organizados, equipados, e no pioneirismo para a época foi montada ampla sala acústica para gravação de “spots” e “jingles”; moderno departamento de fotografia, filmagem, à cores e preto e branco; laboratório para revelação de fotos, filmes e slides e o setor de desenho com recursos mais avançados do momento incluindo o setor de desenhos animados. José Borges podia afirmar com satisfação e com absoluta propriedade, que a Borges Publicidade era a maior e mais completa Agência de Publicidade de Belém.
Muitos profissionais que trabalharam na Borges Publicidade ao longo da sua história, hoje ocupam lugar de destaque nesse mercado da propaganda, ainda em expansão, como proprietários de agências, produtoras de vídeos e outros.
Borges acreditava que a profissão de publicitário se nobilitava através da honestidade, da sinceridade, e da humildade, sem os artificialismos de valorização pessoal com a petulante exibição de auto elogios que conduzem, quase sempre, a perspectiva de frágil resistência ao tempo.
Enquanto Artista Plástico e Caricaturista no Brasil deixou um acervo particular de mais de 384 obras. Seu tema favorito foi retratar os costumes das diversas regiões do Brasil e como não poderiam faltar os personagens das diversas regiões de Portugal de uma forma saudosista da sua terra natal. Isso tudo registrado com guache, nanquim, lápis, acrílica, óleo em suportes de papel, madeira e paredes.

Depoimento Entrevista para o Diário do Pará em 12 de Abril de 1976

- Portugal era aquele doce e bucólico “jardim da Europa à beira mar plantado” carinhosamente cuidado por Salazar. Só que era proibido colher flores...
O jornal “A Risota” foi definitivamente encerrado pelo governo em conseqüência de uma charge que fazia a previsão da queda de Mussolini arrastado por Hitler. Isto me traumatizou e decidi abandonar o jornalismo. A partir daí dediquei-me à publicidade, decoração e pintura.

Em Belém recebeu os seguintes títulos: Honra ao mérito pela Assembléia Legislativa e de Cidadão do Pará, pela mesma Assembléia: Cidadão de Belém pela Casa Legislativa da Câmara Municipal e ainda a Ordem do Mérito Grão-Pará outorgada pelo Governo Alacide Nunes.
Teve também as seguintes honrarias: Diploma de relevantes serviços prestados ao CDL-Clube de Diretores Lojistas de Belém, Medalha do Centenário de “A Província do Pará”, Benção apostólica do Papa João Paulo II, pelos serviços prestados ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré, honra ao Mérito concedido pelo Rotary Clube de Belém Nazaré e plaqueta de reconhecimento pelos serviços prestados ao Rotary Clube de Belém.
Como Assessor de Imprensa atendeu ao CDL-Clube de Diretores Lojistas de Belém, ABRAVE-Associação Brasileira de Revendedores de Veículos Automotores-Administraão Regional do Pára e Câmara do Comércio NIPO brasileira do Pará.
Participou durante nove anos da diretoria da Festa de Nossa Senhora de Nazaré.

José Borges Correia veio a falecer no dia 21 de maio de 1993 às 14:30 horas decorrente de infarto agudo do miocárdio com seu sepultamento no cemitério de Santa Izabel em Belém do Pará. Deixou viúva Helena Pacha Correia, três filhos Lúcia Helena Pacha Correia, Aníbal José Pacha Correia e Fernando Manuel Pacha Correia esse com dois filhos, seus netos, Thiago José Castro Correia e Rodrigo José Castro Correia.

O seu irmão português
Fez 69, idade da asneira,
O silêncio foi timidez de bandalheira,
Dos amigos de “bolo”.
“Que tolo
Ainda se os desfizesse
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo”

Borges

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